História da Anestesia para a Coopanest-PE

História da Anestesia para a Coopanest-PE

Por Dra. Maria Luiza Melo Alves da Silva

A história, ao contrário do que muitos imaginam, não é algo limitado ao passado e de caráter imutável. Ela sofre adaptações de acordo com as conveniências de uma ou outra classe social dominante. Informações que foram ocultadas, deliberadamente ou não, uma vez descobertas, poderão mudar conceitos atuais, até então estabelecidos como verdadeiros. Sendo assim, a história, como qualquer outra ciência, não é totalmente imparcial; sofre influências e interferências de forças de natureza política, religiosa, econômica e cultural. Com a História da Anestesia não é diferente.
Muitos pesquisadores afirmam que o primeiro a usar o termo Anesthesia foi Discorides de Anazarba (40-90 d.C), médico grego que serviu ao Exército Romano de Tibério e de Nero. Em um dos seus manuscritos, ensinava o emprego de extratos do ópio, mandrágora e meimendro misturados com vinho, que eram bebidos pelo enfermo, antes da cirurgia, para fins anestésicos. Anterior a Discorides, médicos da Escola de Alexandria empregavam essas mesmas drogas em preparações para uso inalatório, conhecido como “Esponja Soporífera”. Paracelso (1493-1543), médico e alquimista suíço, em 1540, adoçou a comida de galinhas com o “óleo doce de vitríolo” e observou a sua ação anestésica.
Horace Wells (1815-1848), um dentista americano de Hartford, foi pioneiro no uso de anestesia em odontologia, com óxido nitroso (ou gás do riso). Em 1840, Wells descobre o gás hilariante feito a partir de azoto depois de assistir a uma sessão de circo em que um dos participantes, Samuel Cooley, ingeriu o gás e apesar de ter um ferimento na perna não sofreu a mínima dor. Depois, rumou para Boston para realizar uma demonstração a um importante grupo de cirurgiões de Harvard. A apresentação fora acertada graças ao seu conhecido William Thomas Green Morton. A sua demonstração pública em 1845 foi um fracasso e, após ser considerado como charlatão e impostor caiu em descrédito, foi humilhado e terminou por abandonar a odontologia. Foi embora para Paris, onde acabou viciado em Clorofórmio. Voltou aos Estados Unidos e após envolver-se em uma confusão com uma prostituta foi preso. Aos 33 anos foi encontrado morto na prisão com a artéria femoral cortada por uma lâmina de barbear, tendo ao seu lado um lenço e um vidro de clorofórmio. Meses depois chegou uma carta da Sociedade Médica de Paris o reconhecendo como o “descobridor da anestesia”.
Crawford Williamson Long (1815–1878), um norte-americano de Danielsville – Geórgia, foi o primeiro médico e farmacêutico a usar éter etílico como um anestésico em 30 de março de 1842, durante um procedimento cirúrgico para remover um tumor cervical de um paciente. Crawford fez uma descoberta inovadora, um procedimento de sucesso, mas não publicou o seu feito até 1849. Foi homenageado com um selo e tem a sua estátua na Sala da Estátuas no Hall do Capitólio doada pelo governo da Geórgia.
William Thomas Green Morton, o dentista de Boston conhecido de Wells, persistiria na ideia, só que, aconselhado por seu ex-professor de química Charles Thomas Jackson, substituiu o óxido nitroso pelo éter. Morton, que não estava a par das experiências do Dr. Crawford Long, foi convidado pelo Hospital Geral de Massachusetts para demonstrar sua nova técnica de cirurgia sem dor. No dia 16 de outubro de 1846, depois que Morton anestesiou o paciente, o cirurgião John Collins Warren removeu um tumor do pescoço do paciente. A cirurgia aconteceu no hoje chamado Ether Dome. O Dr. Warren, inicialmente cético, ficou impressionado e afirmou: “senhores, isso não é uma fraude!”. Pouco tempo depois disso, numa carta para o Dr. Morton, o médico e escritor Dr. Oliver Wendell Holmes propôs que o nome do procedimento fosse anestesia e anestesiado o estado a que o paciente fora levado. A invenção de Morton correu o mundo. Chegou à Europa no fim de 1846 e, no ano seguinte, aportou no Brasil. Com o sucesso de Morton, Jackson, que gozava de prestígio internacional, reivindicou para si, nos países europeus, a prioridade da descoberta, acusando Morton de desonestidade.
Descoberto em 1831, o uso de clorofórmio em anestesia está ligado à James Young Simpson, que, em um amplo estudo sobre compostos orgânicos, constatou a eficácia do clorofórmio em 4 de novembro de 1847. Sua utilização se espalhou rapidamente e ganhou aprovação da Coroa Britânica quando John Snow o empregou na Rainha Vitória, durante o nascimento do Príncipe Leopoldo. Infelizmente, o clorofórmio não era tão seguro quanto o éter, principalmente quando administrado por pessoas sem muita prática. Isso levou a muitas mortes que poderiam ter sido evitadas.
John Snow de Londres publicou em maio de 1848 “Sobre narcotismo pela inalação de vapores” na Gazeta Médica Londrina. Snow também se envolveu na produção de equipamentos necessários à administração de anestésicos inaláveis.
A cronologia frequentemente nos faz memorizar a data de uma descoberta e relaciona o evento às ações de uma só pessoa. Entretanto, é inadequado ver o desenvolvimento da Anestesiologia segundo essa perspectiva limitada. A data de 16 de outubro de 1846 é oficialmente aceita como aquela em que se realizou a primeira intervenção cirúrgica com anestesia geral. Essa foi, na verdade, a primeira demonstração de anestesia bem-sucedida diante de uma comunidade científica
Nomes como os de Discorides, Paracelso, Long e Wells não poderiam ficar abaixo do de Morton. As peculiaridades históricas que beneficiaram ou prejudicaram um ou outro pesquisador não podem ser esquecidas. Morton foi sem dúvidas o mais agraciado pelas circunstâncias. Viveu no tempo e local privilegiados, e conviveu com as pessoas mais apropriadas ao seu intento. Todavia uma questão persiste. Afinal, quem é o mais importante: o pai da ideia ou aquele que a divulgou? A resposta certamente cairá no campo da subjetividade.
Em 1847, a anestesia geral chegou ao Brasil e até hoje, os acontecimentos aqui acompanham de perto os mundiais. Segundo informa Lycurgo Santos Filho, em sua História Geral da Medicina Brasileira, a primeira anestesia geral pelo éter foi praticada no Hospital Militar do Rio de Janeiro pelo médico, nascido em Portugal, Roberto Jorge Haddock Lobo, em 25 de maio de 1847, no paciente Francisco D’Assis Paes Leme. Uma semana após foi utilizada por Domingos Marinho de Azevedo Americano em dois soldados, tendo sido anestesista o médico Leslie Castro, recém-chegado da Europa e que trazia consigo o anestésico e o aparelho de “eterização”.
O éter foi logo substituído pelo clorofórmio. A primeira anestesia geral com o clorofórmio no Brasil foi empregada pelo Prof. Manuel Feliciano Pereira de Carvalho, na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, em 18 de fevereiro de 1848, mas, segundo Walter Machado, foi Rodrigo Bivar – RJ, em 1847, o primeiro a usar. Em 1930 foi introduzido o Ciclopropano e em 1956, o Halotano, seguido do Pentrane, Etrane, Isoflurane, Sevoflurane e Desflurane, como anestésicos inalatórios.
No século XX, paralelamente à anestesia geral por inalação, proliferaram novos fármacos, equipamentos e técnicas anestésicas. Surgiram outros métodos de se obter a analgesia, como a anestesia local, raquianestesia, anestesia peridural, bloqueios periféricos e a anestesia venosa. Ocorreu também a evolução dos cuidados com o paciente, a monitorização, as salas de recuperação pós-anestésicas e os consultórios de pré-anestesia.
Durante Segunda Guerra Mundial, a força expedicionária brasileira não tinha anestesistas em seu quadro de médicos, no entanto muitos voltaram da Itália com prática na especialidade. No Rio de Janeiro, começaram a realizar reuniões científicas, e, em 25 de fevereiro de 1948 fundaram com 33 membros, no Auditório do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, na Rua Sacadura Cabral, 158, a Sociedade Brasileira de Anestesiologia – SBA, tendo como o seu primeiro presidente o Dr. Mario Castro de Almeida Filho. Já no ano seguinte a sua sede foi instalada numa sala situada na Praça Floriano Peixoto, Centro do Rio de Janeiro/RJ e hoje, encontra-se na Rua Prof. Alfredo Gomes, 26, no Botafogo. Para intensificar sua atuação, a SBA identificou a necessidade da criação de regionais nos respectivos estados da Federação, e conta hoje com 25 afiliadas. Pernambuco já fez quatro presidentes da SBA, os doutores Jose Adolfo de Basto Lima (1956), Estevão Loureiro (1964), Benedito de Abreu e Lima Neto (1977) e Nadia Maria da Conceição Duarte (2011), primeira e única presidente mulher até hoje a assumir um cargo e uma responsabilidade tão grande – a de maior liderança dentro da entidade. A missão da SBA é formar, educar, certificar e representar o médico anestesiologista.
A história é feita por indivíduos e deve ser lida com muita reflexão pelas novas gerações de anestesiologistas que se sucedem em ondas avassaladoras. Que eles voltem o seu olhar um pouco atrás e meditem sobre a vida de seus predecessores. Os que miram um porvir cada vez mais ínfimo, podem olhar para o passado com incontido orgulho. (Carlos Parsloe, 1998).

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